#26 Anotações | Sobre reler o próprio livro
Reler um livro é sempre uma experiência. Nessa newsletter, embarco na releitura de "O Corpo de Laura", agora materializado
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Por aqui, falo sobre literatura, processos criativos e escrita desde 2021.
Ao final de 2022, migrei para o Substack e, desde então, dedico esse espaço para falar do meu projeto, O Corpo de Laura, que venceu o primeiro lugar do Edital de Publicação em Poesia do ProAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo).
Em uma plaquete e um livro, O Corpo de Laura busca explorar as linguagens da poesia e da fotografia a fim de investigar as temáticas do Corpo, da Identidade e da Linguagem no contexto do corpo feminino.
Nesta newsletter, quero compartilhar com você o meu processo com o projeto, refletindo também sobre a experiência de participar de um Edital.
O que vem rolando por aqui?
Reler um livro é sempre uma experiência. No caso de revisitar a própria obra, agora materializada, também é uma experiência - com suas particularidades, é claro.
Ando um pouco inquieta com os desdobramentos de O Corpo de Laura no mundo. Quando meu livro tornou-se finalmente matéria, fico bastante tentada a mexer, dissecar, cuidar deste corpo. Colocar post-its, marcar trechos - tal como faço com a maior parte das minhas leituras.
Por outro lado, existe uma certa impaciência. Será que encontrarei leitores? Será que serei lida? O que será da minha poesia?
Serei, devidamente, captada?
Entendi que a melhor forma de lidar com esse misto desejo-insegurança fosse, realmente, mergulhar na experiência do livro, agora não mais num arquivo do Pages, em textos no Google Docs, mas enquanto objeto físico (como um corpo mesmo!). E numa posição diferente da que eu me colocava para com ele, a partir de um certo distanciamento. É importante a gente se descolar das nossas criações, separar-se delas.
Lembrando que ele não necessariamente se trata da minha vida - aliás, a ideia sempre foi "para o leitor decidir". Decidir quem é Laura, se é ficção, se sou eu, se é Laura Palmer. Ou se são os 03. Ou se somos todas nós, mulheres.
A ideia era, ao longo dessa semana, reler o livro com o objetivo de observar, agora na posição de leitora, que fim tomou O Corpo de Laura - ao menos, e de forma muito paradoxal, para mim, a autora.
Começo a desenvolver essa edição da newsletter, então, tateando capa e orelhas. Gosto muito dessa combinação, o azul e o rosa, a mulher emoldurada. Sinto que elas nos convidam a uma atmosfera. Essa ideia de uma literatura atmosférica, já aludida na capa, faz imenso sentido - essa era a minha intenção desde o início.
Quando começo a ler os poemas, porém, algo me perturba. Tenho um grande medo dessa obra ser vista como a colcha de retalhos das violências que assombram a vida da personagem, porque a obra também nos traz uma outra chave no final, uma possibilidade de recomeçar.
Ao mesmo tempo, entendo como horror tão sutil da obra pode chocar, estando presente não só na violência masculina, mas em figuras como a mãe da personagem e, talvez, nela própria. Na terceira parte, Fúria, Laura observa a relação abusiva que vive como um grande circo (certamente como seu duplo, Laura Palmer, faria). Dá até para rir em alguns poemas, notei.
Por outro lado, além do horror, também se identifica uma tentativa de revertê-lo enquanto beleza. Não enquanto romantização, mas como uma ficcionalização elaborativa da tragédia- que passa, de certa forma, pelas mulheres que marcam presença nas epígrafes e dedicatórias, e pelas fotografias. As duas últimas partes me pegam muito nesse sentido, onde essa reunião de escritoras - ou "cama de Jurema", como pontuou Geruza Zelnys no lançamento - é um ato de vingança, de fortalecimento.
O sofrimento, aqui, ganha uma janela, ar para respirar com e apesar das dores que carrega. Tem muito desejo nessa personagem, noto, principalmente aquele que brota da estranheza. Reler o livro me trouxe essa percepção, curiosamente - estranhamento.
Esse estranhamento também é reforçado pela experiência/experimento com a fotografia. Já comentei em algumas entrevistas (ver Apanhadão Geral) a função inconsciente e de corporificação da poesia a partir da imagem. Entretanto, lendo, acabo tendo a impressão de que elas acabaram contribuindo para uma composição cinematográfica da obra, algo que eu não sei se fazia parte, conscientemente, desse processo de criação. Porém, é interessante que, na leitura (em oposição à produção), sinto-me como se estivesse vendo um filme, com cenários, espaços, cenas muito bem definidas.
No fim das contas, a releitura de O Corpo de Laura me fez pensar muito no conceito de Corpo sem Órgãos, principalmente na parte final do livro - em que pulsam ideias de liberdade, desejo, ser e deixar para trás. Não sei por que ou como isso me bateu com tanta força, já que, embora me interesse pela Esquizoanálise, tenho pouco conhecimento da causa.
Porém, ainda fico chocada com a forma como esse conceito aparece - até de forma explícita, com versos que aludem a um "corpo sem ossos" (A Serpente) e a uma mulher que arranca os próprios braços (Alongamento), todos esses apresentando uma conceituação da identidade de forma versátil. Isso tudo sem sequer conhecer o conceito na época em que escrevi os poemas.
Tudo isso me faz concluir: a escrita é realmente um grande mistério. Quem criou O Corpo de Laura já não está mais aqui - no post-scriptum, me encontro como Outra. Essa Outra que se intriga e se assombra. Como uma leitora, no fim das contas.
Apanhadão geral da semana
Na mídia:
"O Corpo de Laura" na seção de lançamentos do Valor Econômico: https://bit.ly/3PQBhgJ
Grifo na página A Chave do Poema: https://bit.ly/46k7mEl
"O Corpo de Laura" em destaque no Boletim Poético da FaziaPoesia: https://bit.ly/3F9hunG
Resenha de "O Corpo de Laura" no perfil @brunaelivros: https://bit.ly/3rH1Ix6
Nos mergulhos do Luís Perdiz: https://bit.ly/3Q8oo2M
Entrevista sobre os processos da obra na Mirada Janela Cultural: https://bit.ly/45oo3xa
Entrevista sobre os processos da obra em Na Pauta Online: https://bit.ly/48E3y2B
Entrevista sobre os processos da obra no Post Literal: https://bit.ly/3Q7E2vj
Nas redes:
Registros do lançamento: https://bit.ly/45onjs6
Exposição da oficina online | "Poesia, Fotografia e Liminaridade: eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo" : https://bit.ly/3ZOyJE5
Quem já leu “O Corpo de Laura”? https://bit.ly/3PX1aeL
5 looks inspirados em "O Corpo de Laura": https://bit.ly/3rSrcYv
Dia das crianças - Infância de Laura: https://bit.ly/46KceTc
Divulgação da live A Fim de Poesia: https://bit.ly/46LJ8Ts
O Corpo de Laura indica
LIVRO: Os pares de sapato não acompanham as quedas, de Maria Eugênia Moreira (Reformatório)
Segundo romance da escritora e estudante de psicologia Maria Eugênia Moreira, Os pares de sapato não acompanham as quedas traz, em uma espécie de diário, a experiência de uma mãe após a perda do filho para o suicídio, chamando a atenção principalmente à noção de identidade e subjetividade no contexto materno. Bastante entrelaçado à pesquisa acadêmica de Moreira, que investiga a obra do escritor Victor Heringer, o livro convida, em poucas páginas, a vivenciarmos de forma concreta e visceral as tragédias que sucedem e que transformam, pouco a pouco, a vida da personagem.
🔗 compre aqui: https://bit.ly/45oo3gS
NO TIKTOK: @assemica
Também já migrada para o Substack, @assemica é um interessante projeto de pesquisa e criação multidisciplinar encabeçado pela poeta
, que vem se apropriando do TikTok de forma lúdica e dialógica, que vai da partilha de processos de criação, frustrações, reflexões, dicas de escrita, curiosidades, dentre outros.🔗 acompanhe por aqui: https://bit.ly/3ZJA0fT