#31 Anotações | Nem bobinha, nem prodígio
Sobre afirmar e articular espaços geracionais artisticamente
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Por aqui, falo sobre literatura, processos criativos e escrita desde 2021.
Ao final de 2022, migrei para o Substack e, desde então, dedico esse espaço para falar do meu projeto, O Corpo de Laura, que venceu o primeiro lugar do Edital de Publicação em Poesia do ProAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo).
Em uma plaquete e um livro, O Corpo de Laura busca explorar as linguagens da poesia e da fotografia a fim de investigar as temáticas do Corpo, da Identidade e da Linguagem no contexto do corpo feminino.
Nesta newsletter, quero compartilhar com você o meu processo com o projeto, refletindo também sobre a experiência de participar de um Edital.
Anotações | Nem bobinha, nem prodígio
"Sou a pessoa mais nova desse contexto" foi um pensamento que me atravessou milhares de vezes desde que comecei a me envolver com a poesia. Às vezes, esse pensamento era carregado negativamente, sugerindo que eu não poderia ser levada a sério da mesma maneira que minhas colegas de ofício. Em outras ocasiões, sentia inflar em mim certo ego decorrente do estereótipo da "menina prodígio", direcionado a mim quase sempre de forma positiva, mas que, com muita análise, percebi ser apenas um elogio vago e, talvez, excludente. Afinal, eu era intelectual demais para os reles mortais da minha idade, mas imatura demais para o círculo artístico.
Há algum tempo, esse incômodo resolveu tomar forma e passei a elaborar mais essa questão dentro de mim. Fui percebendo que eu talvez não fosse a única escritora super jovem do "rolê" - minhas amigas Júlia Grilo e Maria Eugênia Moreira que o digam.
Fui reparando que existe, ainda, uma tentativa de apagar ou relegar à futilidade tudo aquilo que remete à minha geração, seja o uso de determinados adereços, cores de cabelo, aplicativos como TikTok, bem como o gosto por determinados tipos de música, conteúdos, videogames, etc. A imagem polida e sóbria muitas vezes exigida aos artistas muitas vezes não comporta essas outras facetas de ser. Sinto que não se pode escrever e ao mesmo tempo apreciar vídeos de dancinha.
Não pode mesmo?
Observação: Não estou dizendo, porém, que a infantilização é algo que deva ser cultuado. Muito pelo contrário, tenho a visão de que, como jovens artistas, podemos - e devemos - exercer a nossa autonomia a fim de incorporar esses elementos que, inevitavelmente, atravessam nossa geração.
Ao longo da produção de "O Corpo de Laura", de forma tanto inconsciente quanto, posteriormente, consciente, eu quis trazer referências de videogames, creepypastas, liminal spaces, etc, ao lado dos nomes literários. Senti que a minha escrita era mais verdadeira quando permitia a passagem desses aspectos, algo que também se traduziu na forma.
Durante todo esse processo, também me vi buscando essas referências dentro da minha expressão de estilo pessoal. As cores pastel, as maquiagens saturadas. Percebo que o processo de escrita do livro, hoje, também me ajudou a abraçar quem eu era e o que eu gostaria de expressar ao mundo, principalmente no que diz respeito a reforçar o lugar geracional do qual pertenço.
Definir-se enquanto "cria da geração-Z" era algo que eu já via Júlia Grilo fazer em seu Instagram, e que, de alguma forma, vejo como libertador e emancipador. Enquanto sua escrita possui uma força ensaística pulsante e profunda, ela não abre mão de fazer piadas, memes e brincadeiras na rede.
Esse marcador etário que Júlia nos traz nos provoca, nos faz enxergar novas camadas, novas nuances, novas perspectivas. E criar é totalmente sobre isso. Quando nos afirmamos de fato, estamos nos colocando como alteridade em relação ao que já existia antes. No caso do espaço geracional, aqui, nós estamos brincando com os termos que nos são dirigidos - prodígio, imatura, não deve ser levada a sério, inteligentíssima, fútil, etc - e torcendo-os.
Em agosto de 2023, dei um grande passo nessa tentativa de resgatar o lugar geracional na minha oficina "Poesia, Fotografia & Liminaridade", uma iniciativa com apoio do portal FaziaPoesia, em que foram colocados os conceitos de Liminal Space, Dreamcore, Weirdcore e Traumacore - todos estes cyberestéticas - como possibilidade de criação poética. O que isso nos causa? Isso é material poético? Por que isso pode ser relevante? Por quê?
Aliás, por que não pode ser?
Confesso que, no início, fiquei um pouco assustada com trazer esses elementos para a oficina. Na minha cabeça, tão inundada por essa noção de erudito, receava que esses assuntos parecessem ridículos. Achei até que o pessoal não iria gostar muito, achar bobo, besta. Entretanto, essa foi uma experiência singular - talvez uma das melhores do ano agora - pois possibilitou uma troca de repertório com os colegas (ato falho, eram participantes, mas vejo como colegas).
Descobrir que posso falar dessas paixões de forma coesa e interessante me deu certo orgulho. Um orgulho de ser quem sou, de onde vim.
O Corpo de Laura indica
CHAMADA: Chamada aberta para Equipe de Poetas do
O Portal FaziaPoesia está com chamada aberta para seleção dos novos integrantes da equipe de poetas. Esta é uma oportunidade muito bacana para quem escreve, mas não encontra muito espaço para publicar os próprios textos ou se conectar com outros escritores. (Obs: tem poema meu no edital!)
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PRÉ-VENDA: Use o Alicate Agora (2a edição), de Natasha Félix (Macondo)
Versão revisitada do livro de estreia da poeta e performer paulista Natasha Félix, essa edição se compõe não apenas de um projeto gráfico atualizado, mas com a inserção de novos poemas. Vale a pena para quem quer conhecer melhor o que vem sendo articulado na poesia brasileira contemporânea.
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Amora, adorei seu texto. Há 20 anos eu também era sempre a mais nova do rolê, até hoje sou a mais nova dentre as pessoas da minha geração. A única coisa que me preocupa na tua geração é que a maioria superestima a juventude com atitudes bem etaristas. Juventude passa, sabe? Aproveita o momento e faz o teu. 20 anos passam como um sopro.
Laura, adorei sua reflexão. Muito bom saber o ponto de vista de outra geração. Nos meus vinte e poucos, passei por algo muito parecido. A gente quer ser levada a sério, quando na verdade, o melhor mesmo é buscar nossa autenticidade, não importa a idade. Beijos