# 34 O que ficou? | Breve Nota Sobre Epígrafes
Nessa newsletter, abordo a importância e as possibilidades do emprego de epígrafes.
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Por aqui, falo sobre literatura, processos criativos e escrita desde 2021.
Ao final de 2022, migrei para o Substack e, desde então, dedico esse espaço para falar do meu projeto, O Corpo de Laura, que venceu o primeiro lugar do Edital de Publicação em Poesia do ProAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo).
Em uma plaquete e um livro, O Corpo de Laura busca explorar as linguagens da poesia e da fotografia a fim de investigar as temáticas do Corpo, da Identidade e da Linguagem no contexto do corpo feminino.
Nesta newsletter, quero compartilhar com você o meu processo com o projeto, refletindo também sobre a experiência de participar de um Edital.
O que ficou? | Breve Nota Sobre Epígrafes
Faz muito tempo que eu quero trazer esse assunto. Acho que ele é relevante para a construção de O Corpo de Laura, mas também um aspecto muito interessante para se explorar na criação literária.
Boa parte dos livros que a gente lê se iniciam com elas. Podem parecer uma forma de introdução ao texto em si, mas se engana (e muito!) quem pensa que é apenas um paratexto, desses que a gente pula, já que não faz parte do corpus central que nos interessa. Na realidade, as epígrafes são um (possível) caminho para as referências do autor, e também podem ser "costuradas" de maneira estética.
O que eu quero dizer com isso? Quando escolhemos as epígrafes que constituirão uma obra, esta escolha é sempre feita de maneira consciente, pensando em como e por que elas fazem sentido. É uma espécie de "guia" ou de pista, que também pode insurgir de maneira oculta, sugerindo autores e livros que fazem parte daquela obra.
Um exemplo que dou, em O Corpo de Laura, seria a epígrafe de As Guerrilheiras, romance de Monique Wittig, que integra a última seção de poemas da obra. A leitura da obra, que veio depois dessa composição poética, calhou de trazer muitas similaridades com o que eu buscava com este livro, e, por esse motivo, acabou sendo colocada ao final, sinalizando a "chave" de apreensão e conclusão do processo.
Aliás, é importante ressaltar aqui que a pluralidade de epígrafes a cada seção da obra também é relevante por ajudar a arrematar de fato a grande colcha de retalhos de referências e diálogos que tornam a obra possível, que vão das feministas da década de 60 (como Wittig) à autoras contemporâneas, como Bruna Mitrano e Larissa Lins, perpassando, ainda, o universo cinematográfico de David Lynch.
Ao longo do processo de leitura-beta, inclusive, a minha prefacista
deu inúmeros pitacos sobre o uso das epígrafes - questionando principalmente sua ordem e relevância. Isso porque, ao fazer esse emprego, devemos pensar em como ele constitui ou reforça sentido e significado à obra, o que fica implícito pela ordem em que aparecem e a similaridade dos universos temáticos e/ou formais.Por exemplo, na seção II - Inter/rompida, há três epígrafes - Larissa Lins, Laura Palmer e Stella do Patrocínio. Além de as três se referirem a um desvanecimento de si (ou uma ruptura dissociativa), elas estão organizadas de modo que a fala de Laura Palmer esteja "no meio", indicando o contato mais profundo, mas ao mesmo tempo quase inconsciente, com a narrativa da personagem.
Ao mesmo tempo, tanto a epígrafe de Lins quanto de Stella do Patrocínio trazem elementos mais concretos relacionados a esse "corpo perdido": os cabelos que embranquecem e se regeneram, as agressões físicas, o corpo que é apenas ar puro, incapaz de "fazer" braços e cabeça. Esse aspecto difere da epígrafe de Palmer, em que a jovem relata a forma como se sente de forma mais subjetiva.
Ainda podemos nos atentar ao projeto gráfico do livro, que (à exceção das epígrafes da obra em si, que trazem as principais autoras da minha pesquisa poética como um todo) é constituído por páginas em preto, que sinalizam as partes e as epígrafes, destacando sua importância. Outro fato que se observa é que escolhi dispor as epígrafes em ordem alfabética tanto por obsessão particular quanto por refletirem a catalogação e o aspecto bibliográfico atribuído a elas.
Deste modo, a epígrafe é, acima de tudo, uma forma de exploração poética que também pode abranger a construção editorial e estética da obra, favorecendo a concepção de novas possibilidades de leitura.
Apanhadão geral da Semana
Na lista de melhores leituras do semestre da Paula Akkari: https://bit.ly/46Zn4V9
O Corpo de Laura indica
MÚSICA: "Conceited", de Lola Young
Uma das minhas melhores descobertas dos últimos tempos, "Conceited" é um lançamento da cantora britânica Lola Young. Com um vocal intenso e uma melodia bem leve e gostosa para ouvir, fica como indicação para quem procura por algo novo.
🔗 ouça aqui: https://bit.ly/41mFvlg