Olá,
Como vai você? Seja bem-vindo à Matryoshkaletter, a newsletter oficial do matryoshkabooks!
Aqui, falo sobre literatura, processos criativos e escrita desde o início de 2021. Nessa nova versão, passo a usar esse cantinho com maior enfoque no meu novo projeto, O Corpo de Laura, que consiste na produção de uma plaquete e, posteriormente, de um livro, em que exploro as linguagens da poesia e da fotografia a fim de investigar as temáticas do Corpo, da Identidade e da Linguagem no contexto do ser mulher.
No ano passado, esse projeto foi contemplado no Edital de Publicação Inédita em Poesia do ProAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo) em primeiro lugar. Ou seja, o meu trabalho foi reconhecido e terá a sua publicação por meio de um Edital importante!
Desta forma, penso a newsletter também como um espaço para partilhar o que venho fazendo com o projeto, sua execução, minhas reflexões, dúvidas e indagações. Além de suscitar novos diálogos partindo da discussão que proponho em O Corpo de Laura, também tenho interesse em aproximar a minha dinâmica com o ProAC com os leitores, trazendo de forma mais crua e detalhada a experiência de se publicar por meio de um edital.
Nesta edição especial da newsletter, que celebra também meu aniversário, trago um conteúdo mais intimista, em que reflito sobre mim mesma, minha relação com a escrita e com o projeto O Corpo de Laura.
Vem comigo?
Carta aos 23 (12/02/2023)
“a flauta que riscou o vento
anuncia um novo início
vindo do mar
se o passado começou no mar
e caminhou em direção à terra
patas contra nadadeiras
o futuro é então um barco a velas
forma-força bruta de braços e gargantas
seu rosto novo tem ar
e a feição ambígua da água
sal e guelras afiadas
essa coisa ainda sem nome
tem o metal e a luz
de um peixe abissal”Ana Estaregui
Hoje, faço 23 anos. Diferente dos números que compõem a minha data de nascimento, 23 é um número primo. Não dá para dividir por 2 ou por 3, o que me dá certa aflição, pois a vida toda me amparei em múltiplos de 3. Chego a conclusão, então, de que 23 é solitário, ou, quiçá, um número dele mesmo (só é possível dividir por 1 ou por 23).
Acho simbólica essa ideia desse número só. Ultimamente tem me vindo com bastante entusiasmo a necessidade de movimento - de mudar, ou melhor, transitar por outras instâncias, outras possibilidades, outras visões. Aquariana que sou, sempre me desloquei em torno de transformações. Mas, dessa vez, é diferente.
O corpo, por si só, é o único veículo que pode, de fato, executar movimento. Quando escrevemos, são as mãos que seguram, inclinam e preenchem com a caneta a folha em branco do papel. A maneira como escrevo será largamente distinta de outra pessoa, mesmo que estejamos anotando as mesmas palavras.
Curioso observar que estas são duas noções - estar por si só e o mover-se -,tão pungentes neste meu novo momento de vida, também parecem ser eixos importantes pelos quais me desloco com a escrita. Algo que venho buscando. Penso muito na questão da construção de si enquanto sujeita, isto é, um corpo que se reconhece em diálogo, e que, a partir desse processo, torna-se fortalecido o suficiente para dar continuidade à uma voz própria, autônoma.
Nos últimos dois anos - que dão início a’O Corpo de Laura - o diálogo vem sendo um elemento primordial. Escutar, absorver e conectar-me às narrativas das mulheres - sejam elas ficcionais (como Laura Palmer) ou não - tem sido um processo fortalecedor no entendimento de mim mesma e do mundo enquanto mulher e enquanto poeta.
Mas, agora, sinto necessidade de algo a mais. Está na hora de, além de buscar a reescrita e a reelaboração destas histórias, escrever e elaborar a minha própria voz (por exemplo, mapeando como acontecem os recursos gráficos na minha poesia). Ou, ainda, dar vazão para que essa voz seja ouvida e espalhada, expandida para outros cantos que desconheço (e que tenho vontade de conhecer).
A vida vem me batendo à porta com um sentimento enferrujado, talvez de uma ressaca. Ao mesmo tempo, a intensa circulação da plaquete O Corpo de Laura tem me gerado uma sensação de frescor. Principalmente no eixo da assessoria de imprensa, me vem à reflexão essa vontade de chegar em algum lugar diferente, mesmo não sabendo qual.
Nesse frenesi maluco de querer movimentar-se, o corpo todo me chama. Está cansado de pensar, quer pular, quer dar cambalhotas, quer testar algo novo, quer mudar, quer fazer. Mas ele também tem medo da ruptura, de se perder no meio do caminho. É preciso lembrar que o número 23 é um número primo: ele não tem a quem recorrer.
E, por isso mesmo, ele se desmonta, se monta e se remonta. 23 pode ser desmembrado nos algarismos 2 e 3, por exemplo. E se somarmos 2 e 3, temos o número 5, que também é um número de base numérica. Ou seja, a partir do número 23, podemos extrair os números 2, 3 e 5, que não são sozinhos. Portanto, 23 é um número que, mesmo solitário, se desdobra em muitos grupos (os múltiplos de 2, 3 e 5, no caso).
O movimento inicial é solitário, os desdobramentos, não. Mover-se é também construção, aprendo em uma oficina. Também aprendo que um corpo só é trânsito e manutenção, nem só um, nem só outro, mas os dois. E, se você se perder no meio do caminho, você já sabe como voltar. E, depois, mover-se novo até se encontrar. Eternamente.
Por fim, o que digo aos meus 23 anos (em promessa a mim mesma, e ao projeto): Laura, você precisa se/me movimentar. Você precisa do desconhecido, enfiar-se nele, reconhecer-se. Mesmo com medo ou certa ambivalência, vá. Construa um mapa, desloque-se. Desencontre Laura. Encontre Laura. De novo. Agora, ponha os coturnos. Um novo ciclo se abre a você!
Com carinho,
Laura de 22 anos